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O 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar mostra que 33,1 milhões de pessoas não têm o que comer

A insegurança alimentar assola o Brasil e o mundo. Nosso país voltou para o mapa da fome

Heloisa Oliveira* Publicado em 30/07/2022, às 11h20

A fome atinge pessoas de todas as idades
A fome atinge pessoas de todas as idades

Tenho enfatizado a importância da nutrição para o desenvolvimento integral, desde os Primeiro Mil Dias de Vida da criança. Cuidar da alimentação da gestante, garantir a amamentação exclusiva até os seis meses e a introdução de alimentação complementar e saudável após esse período, e como isso tem reflexo no futuro, para toda a vida, formando bons hábitos alimentares e prevenindo diversas doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, obesidade, doenças cardiovasculares entre outras.

O Professor Cesar Victora, epidemiologista, em uma entrevista recente, mencionou a importância de o cuidado com a nutrição ocorrer entre a gestação e os dois primeiros anos, reforçando que esse investimento na nutrição infantil tem o potencial de melhorar a saúde e o capital humano dos adultos.

Os países, incluindo o Brasil, assumiram perante toda a comunidade internacional, na Cúpula de Desenvolvimento da ONU, realizada em Setembro de 2015, compromissos dentro da que foi chamada Agenda de Desenvolvimento 2030, que, dentre outros pontos, inclui o compromisso de garantir a todas as pessoas condições adequadas de segurança alimentar e nutricional e a erradicação da pobreza e da fome. Para lembrar o que representa esse compromisso, o texto da Meta 2.1, adaptada para a realidade brasileira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA diz: “Até 2030, erradicar a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os pobres e pessoas em situação vulneráveis, incluindo crianças e idosos, a alimentos seguros, culturalmente adequados, saudáveis e suficientes durante todo o ano”.

Até aqui falamos de consensos científicos e de compromissos políticos para o Desenvolvimento Sustentável, mas aí vem a realidade dos fatos, com os dados recém divulgados no 2º Inquérito Nacional Sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede PENSSAN (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) e joga um balde de água fria nos mostrando o tamanho do problema que temos de enfrentar para promover o tão sonhado desenvolvimento e cumprir esse compromisso político assumido junto à ONU.

Aproximadamente 33,1 milhões de brasileiros passaram fome no Brasil em 2022, ou seja, estavam em situação de insegurança alimentar grave. O número equivale a 15,2% da população do país. Esses números mostrados pelo estudo, que foi executado pelo Vox Populi, quase dobraram em relação a 2020, atingindo 14 milhões de pessoas a mais. Dados do IPEA mostram que, em 1993 o Brasil tinha 32 milhões de pessoas passando fome. É alarmante saber que, a fome no Brasil, em 2022, voltou a ser igual à fome de quase 30 anos atrás.

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O Brasil já foi referência internacional no combate à fome. No período de 2004 a 2013, as políticas de erradicação da pobreza e da miséria reduziram a exposição das famílias à fome para menos da metade, de 9,5% para 4,2% dos lares brasileiros. O Brasil chegou a ser excluído do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO em 2014 e depois voltou a integrá-lo em 2018 e 2020. E pelos dados divulgados agora nesse estudo, lamentavelmente não estamos caminhando no sentido de sair, ao contrário, permaneceremos.

Outros pontos chamam a atenção nos dados desse estudo, a desigualdade também se evidencia nesses números. A região do país mais afetada pela fome é o Nordeste, com cerca de 12,12 milhões de pessoas, a fome afetou mais de 60% dos domicílios de áreas rurais e 65% dos lares chefiados por pessoas pretas e pardas. Além disso, de 2020 para 2022, a insegurança alimentar grave dobrou entre as famílias que tem crianças menores de 10 anos, passando de 9,4% em 2020 para 18,1% em 2022.

Muitas vezes ao olhar e nos fixar em tantos números, percentuais e dados trazidos pela pesquisa corremos o risco de nos afastar do que mais importa, as pessoas que estão ali retratadas, cada número representa uma pessoa humana que deveria ter seu direito à alimentação assegurado para que pudesse ser saudável e ter seu desenvolvimento preservado.

Hoje, sugiro que, ao ler esse texto, você feche os olhos e mentalize os rostos e os olhos de cada um dos 33,1 milhões de brasileiros que hoje passam fome e pense sobre isso. Estamos falando dos nossos irmãos, precisamos ter consciência da gravidade disso!

*Heloisa Oliveira é economista e diretora-presidente do Instituto Opy