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Pensão alimentícia e o direito das crianças e adolescentes no Brasil

Entenda como a pensão alimentícia é definida no Brasil e a sua importância para as crianças e adolescentes

Andréa P. T. T. Niess Kahn* e Pedro H. T. Niess** Publicado em 04/05/2023, às 06h00

Há punições previstas em lei para quem não cumpre com o pagamento da pensão
Há punições previstas em lei para quem não cumpre com o pagamento da pensão

A pensão alimentícia é um tema muito difundido entre a população brasileira. Talvez porque seja, atualmente, o único caso em que é possível a prisão civil do devedor (artigo 5ª, LXVII, da CF) ou também porque temos um grande número de crianças sustentadas por apenas um de seus genitores, esquecendo-se, aqueles que não contribuem para criação de seus descendentes, que a sua cooperação “é uma vantagem biológica para os filhos (...)” (Bertrand Russel, O casamento e a moral. Tradução de Wilson Velloso. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1977, p. 12).

Infelizmente algumas situações são comuns em nosso cotidiano e não é necessário ser advogado para ouvir que um dos pais de uma criança constituiu nova família e não mais visitou o filho do relacionamento anterior, como se a extinção do vínculo com seu/sua companheiro/a arrastasse consigo o estado de filiação, ou que agora possui “novos filhos para sustentar” ou, ainda, que determinada pessoa pediu demissão de seu emprego ou ocultou os seus bens para não precisar pagar ou para, pelo menos, reduzir a pensão que deve aos seus filhos. E isso acontece em todas as classes sociais.

As crianças e os adolescentes são os que mais sofrem com toda essa situação, sob o aspecto econômico, do qual aqui se trata, não obstante a repercussão psicológica da situação seja importantíssima e constitui, também, reflexo desse abandono material. São eles seres em desenvolvimento que possuem, assim como todos, o mais importante de todos os direitos - o direito à vida - que é contemplado pela nossa Constituição Federal, no artigo 5º, caput. E o direito à vida não significa apenas o “direito de viver ou de sobreviver”, mas o direito de viver dignamente. Assim, para terem assegurado o direito à vida em sua integralidade, os menores de idade precisam ter garantida a subsistência decente que, primeiramente, seus pais lhe devem.

O Direito não tem como impor a um pai ou a uma mãe que ame seu filho, mas consegue fazer, pela via judicial, com supedâneo nas leis, com que os pais cumpram com o dever de sustentar seus filhos.

A Constituição Federal, no artigo 229, determina que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores (...)”, mas não restringe esse dever a tais personagens, estendendo a outros integrantes da família (junto com a sociedade e com o Estado) a obrigação de uma contribuição eficaz para que seja garantido, à criança e ao adolescente, o direito à vida, que inclui os direitos à saúde, à alimentação, à educação, à profissionalização, à cultura, ao lazer e, com isso, à dignidade.

Isso quer dizer que em primeiro lugar respondem o pai e a mãe pelo dever em pauta, mas, na ausência ou na justificável omissão, total ou parcial, de ambos, responde a família através de outros integrantes. E por ser um direito de extrema importância – indiscutivelmente atrelado ao direito à vida – é que a nossa Lei Maior prevê a possibilidade dessa atitude extrema: a prisão civil para aquele que não paga alimentos. Entre a liberdade de um e o direito à vida de outro, há de este se sobrepor àquele.

A justiça brasileira possui um número grande de ações que envolvem pedido e execução de alimentos e os juízes, ao fixarem os valores que deverão ser pagos ao menor, devem observar o binômio necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante (CC, art. 1.694, § 1º), orientados pelo critério da proporcionalidade (CC, art. 1.703).

O valor da pensão pode ser definido em comum acordo pelos pais, que, para tanto, também devem levar em consideração a necessidade de quem os pleiteia e os recursos das pessoas que devem pagá-los.

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Aliás, essa deveria ser a regra: os pais conseguirem estabelecer, amigavelmente, a melhor maneira de atender as necessidades de seus próprios filhos.

E, diga-se, a obrigação de alimentar os filhos é de ambos os pais, sem distinção de sexo, sendo homens e mulheres iguais em direitos e obrigações (CF, artigo 5º, inciso I). Constitui o crime de abandono material, a conduta, dentre outras, assim prevista no art. 244 do Código Penal:  Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, não lhe proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada. 

O prazo de prescrição da pretensão para haver prestações alimentares (não para reclamar o direito a alimentos, que é imprescritível) é bienal, conforme o artigo 206, § 2º do Código Civil) e é contado desde a data em que se vencerem.

Porém, tratando-se de alimentos reclamados dos pais, pelo filho menor de dezoito anos, durante o exercício do poder familiar, a prescrição não corre (artigos 197, II e 1.630, do Código Civil). Mas, “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”, diz a Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça. 

Afora essa hipótese a prescrição começa a correr a partir dos dezesseis anos quando o para o menor cessar a incapacidade, como no caso da emancipação concedida pelos pais, porquanto não mais sujeito ao poder familiar (Código Civil, art. 198, inciso I c/c art. 3º e art. 1.635, inciso II). Todavia, cabe assinalar que o maior de dezoito anos - e, portanto, também o emancipado - pode pleitear alimentos se os necessitar para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação (CC, art. 1.694, caput) 

Importante salientar que o quantum fixado a título de alimentos poderá ser alterado em face da mudança da situação financeira dos interessados, de acordo com o artigo 15 da Lei de Alimentos, estatuindo o art. 1.699, do Código Civil: “se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo”. Desse modo, havendo alteração nas possibilidades dos pais, a proporção antes estabelecida poderá ser revista. 

Assim, a revisão da obrigação alimentar abrange a modificação para mais ou para menos, bem como a exoneração dos alimentos determinados pelo juiz ou previstos em acordo por ele homologado.

Como se percebe, a legislação brasileira visa sempre atender ao interesse do menor, que deve ter suas necessidades satisfeitas para que se desenvolva dentro de um ambiente saudável, com dignidade, segurança e bem-estar, dando-lhe, inclusive, dessa forma, condições para que se torne um adulto apto a competir no mercado de trabalho, possuindo condições de buscar seu próprio sustento e o de seus eventuais futuros filhos. Somente assim conseguiremos viver em uma sociedade livre, justa e solidária, conforme estabelecido pela nossa Carta Magna.

*Andréa P. T. T. Niess Kahn é advogada. Mestra e Doutora pela PUC/SP.

**Pedro H. T. Niess  é advogado. Subprocurador-Geral da República aposentado.