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A escola também precisa combater o racismo estrutural

Diversas organizações brasileiras têm se dedicado a combater o racismo estrutural

Sílvia Lima* Publicado em 05/01/2024, às 06h00

A educação antirracista é fundamental
A educação antirracista é fundamental

Jorge é um jovem negro de 14 anos que mora na periferia da cidade de São Paulo. Estuda em uma escola pública e não conseguiu acompanhar aulas online durante a pandemia por falta de internet, o que o deixou para trás em relação aos colegas com mais recursos. Ao voltar para as aulas presenciais, passou a sofrer bullying de seus colegas de sala pela sua cor, e acompanhar as atividades e aprender os conteúdos se revelou muito difícil com tantas distrações. Sentindo-se sem apoio e perspectiva, quando chegar ao Ensino Médio, Jorge vai abandonar os estudos para trabalhar e ajudar em casa sem ter aprendido o necessário. Ao longo de sua vida, essa trajetória escolar terá impactos significativos em suas oportunidades e possibilidades de escolha.

Jorge é apenas um personagem ficcional, mas poderia ser um dos milhões de estudantes negros brasileiros. Representando 71% da população abaixo da linha de pobreza segundo o IBGE, pessoas negras têm rendimentos menores que brancos e também ocupam menos cargos de liderança em empresas. Esses são apenas alguns dos dados que revelam a desigualdade racial e racismo estrutural que persiste no Brasil e começa na escola. Assim como Jorge foi privado de uma educação de qualidade e oportunidades, milhões de crianças e jovens negros no país também sofrem com as consequências brutais do racismo desde o começo da sua vida.

E não se trata apenas de oferecer o mesmo acesso à escola, mas sim condições iguais de aprendizagem e desenvolvimento. Embora as matrículas escolares para estudantes brancos e negros sejam similares, as desigualdades se perpetuam quando abordamos o aprendizado. Segundo dados do Ipea, 59,8% dos estudantes negros do Ensino Fundamental tinham aprendizagem adequada em Língua Portuguesa em 2017, enquanto 71,2% dos alunos brancos tinham tal nível de desempenho.

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Este cenário perpetua desigualdades e o ciclo da pobreza. De acordo com o IBGE, 7,4% da população negra com 15 anos ou mais é analfabeta, enquanto este valor é de 3,4% para brancos. Este cenário é fruto, dentre outros fatores, de menos acesso à educação de qualidade: segundo a Fundação Carlos Chagas, durante a pandemia, 40,6% dos estudantes negros de 15 a 17 anos não receberam atividades escolares em casa durante a interrupção das aulas presenciais, enquanto 14,2% dos alunos brancos vivenciaram a mesma situação, por exemplo.

Para além das questões acadêmicas, muitas vezes, os estudantes negros também enfrentam discriminação racial na escola, o que gera prejuízos à sua autoestima e saúde mental: a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE) demonstrou que estudantes pretos e amarelos tiveram maior prevalência no relato de bullying. Com tantos desafios, os jovens negros são os que mais abandonam os estudos, contabilizando 71% dos estudantes que deixam a escola, segundo dados da Pnad.

Para reverter este cenário, é preciso que a escola esteja comprometida com o combate à desigualdade racial. É preciso pensar, debater e formular políticas públicas que atendam a diversidade e necessidades específicas de cada grupo, buscando assim uma política focada na equidade, entendida como aquela que dá pessoas, em especial as mais vulneráveis, o que elas precisam para que todos tenham acesso às mesmas oportunidades.  Para ser uma aliada nessa luta, a escola precisa promover uma educação que desenvolva o potencial de todos os estudantes, além de criar práticas intencionais de combate ao racismo estrutural no dia a dia da comunidade escolar de forma contínua, e não em um mês comemorativo apenas.

Um importante mecanismo já está estabelecido na lei brasileira para que o combate ao racismo aconteça na escola. A lei 10.639, por exemplo, que em 2023 completou 20 anos, estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira em toda a Educação Básica, medida fundamental para promover debates sobre o racismo e valorizar a história , cultura e contribuições do povo afro-brasileiro em nossa sociedade. Este é um passo fundamental para que os estudantes negros se sintam representados na escola, o que diretamente sua aprendizagem, desenvolvimento e saúde mental.  Entretanto, um estudo de 2022 do Geledés Instituto da Mulher Negra e o Instituto Alana, aponta que 71% das Secretarias Municipais de Educação realizam pouca ou nenhuma ação estruturada para cumprir a lei. 

Para além da implementação da normativa, outras ações de combate ao racismo também devem ser colocadas em prática, como o debate do tema com toda a comunidade escolar. Também é fundamental criar mais oportunidades de protagonismo juvenil, abrindo espaço para que os estudantes atuem a favor da causa, e valorizar representações negras em culturas, linguagens e expressões artísticas como belas e importantes. Por fim, é necessário também ter um olhar diferenciado ao identificar como a desigualdade racial impacta a educação e encontrar ferramentas para combater a questão com base em princípios como equidade e justiça social. 

Diversas organizações brasileiras têm se dedicado a promover uma educação antirracista, comprometida com o letramento racial e combate à desigualdade, como o Instituto Unibanco, Instituto DACOR, Instituto Gesto, Fundação Lemann, entre outros. Tais trabalhos são fundamentais para que a causa avance no país. O Instituto Ayrton Senna também segue comprometido em promover uma educação de qualidade para todos, que combata todo tipo de desigualdade.

Para que todas as crianças e jovens negros brasileiros tenham acesso a um futuro mais próspero e igualitário, é urgente que as políticas públicas tenham foco na equidade e que a educação promova oportunidades concretas. Tudo isso só será possível combatendo o racismo estrutural hoje, na escola.

*Silvia Lima é gerente de Advocacy do Instituto Ayrton Senna