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Qual o futuro das crianças afetadas pelo consumo de álcool na gestação?

Consequências são variadas, mas distúrbios comportamentais nas crianças são comuns e TDAH pode ocorrer entre 50 a 95%

Marcia de Freitas* Publicado em 23/05/2023, às 06h00

A ingestão de álcool durante a gravidez pode gerar riscos para o bebê
A ingestão de álcool durante a gravidez pode gerar riscos para o bebê

Uma primeira pergunta que surge após o diagnóstico de Espectro de Desordens Fetais Alcoólicas (em inglês, FASD) ou de sua forma mais grave, a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) é: qual o futuro da criança? O prognóstico para os indivíduos com FASD é muito variado e uma série de problemas podem acometer aqueles que foram expostos ao álcool durante a gestação e diagnosticados com a síndrome ou espectro:

  • problemas de saúde mental (95%);
  • confinamento na prisão, em centro de tratamento de drogas ou álcool ou em instituição para doentes mentais (55%);
  • problemas com a lei (60%);
  • comportamento sexual inadequado (52%);
  • incapacidade de viver de forma independente (82%);
  • interrupção da escola e problemas com o emprego (70%);
  • problemas de álcool e drogas (superior a 50% no sexo masculino e 70% nodo sexo feminino).

Os distúrbios decorrentes do FASD representam uma série de condições prejudiciais, não apenas ao indivíduo afetado, mas para familiares e toda a sociedade. Entre os transtornos neuropsicológicos, o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) pode ocorrer em 50 a 95% dos casos, com maiores dificuldades relacionadas ao processamento visual/espacial, na codificação de informações e na adaptabilidade para completar tarefas.

Ainda relacionado aos distúrbios comportamentais, um artigo cientifico identificou que o TDAH é a doença mais comum entre crianças com FASD, da ordem de 52,9%.  E na sequência:

  • transtorno desafiador de oposição (12,9%);
  • transtorno de conduta (7,0%);
  • autismo (2,6%) ;
  • Quadros depressivos e desordem bipolar não são raros.

Crianças e adolescentes com FASD sentem-se “diferentes” e sentimentos de solidão, dependência e necessidade de vencer as limitações são comuns. Estudos científicos ainda apontam outras consequências, como:

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  • Maior número de internações hospitalares e maior tempo de internação do que os controles não portadores. Os problemas têm sido os mais variados: otite média, pneumonia, desidratação, anemia, alteração de crescimento, abuso sexual, problemas com alimentação, gastrenterite, bronquite.
  • Crises convulsivas, muitas delas de difícil controle, podem ser observadas em 3 a 21% de crianças com FASD, o que torna essencial uma avaliação de exames de neuroimagem, pois muitas dessas convulsões estão relacionadas às diferentes alterações na estrutura cerebral decorrentes da doença).
  • Problemas dentários.
  • Deficiência auditiva como disfunção vestibular.
  • Problemas oculares – deficiência visual, diminuição do nervo ótico, alterações de vasos da retina.

Torna-se evidente que os cuidados com as crianças com FASD envolvem atendimento médico (em várias especialidades, conforme o caso), psicológico, social, ações de prevenção para eles próprios e seus familiares, enfim, a atuação de uma equipe multiprofissional.

O atendimento a essas crianças, não aquelas com a SAF completa, mas para indivíduos com dificuldades de aprendizado e/ou comportamentais, sem alterações físicas ou deformidades e com a exposição pré-natal ao álcool conhecida, precisa ser avaliado para que seus problemas sejam identificados e tratados precocemente.

Por outro lado, indivíduos com deformidades sugestivas de SAF, mas com exposição pré-natal ao álcool desconhecida, também precisam ser avaliados para que, da mesma forma, seus problemas sejam igualmente identificados e tratados precocemente.

Os especialistas necessitam seguir um plano de tratamento de maneira a maximizar a habilidade de cada criança, minimizando os fatores de risco negativos ao longo da sua vida e estar em permanente contato entre si e os familiares desse paciente A terapia familiar e encaminhamento materno para serviços de referência de álcool e drogas são de fundamental importância. Enquanto na recuperação, devem-se destacar e promover as ações de reinserção familiar, social e ocupacional.

Diante dessas consequências graves, a melhor prevenção é evitar totalmente o consumo de álcool durante a gestação.

* Marcia de Freitas é médica pediatra, neonatologista e membro do Núcleo de Estudos dos Efeitos do Álcool na Gestante, Feto e Recém-nascido da Sociedade de Pediatria de São Paulo.