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Doenças Inflamatórias intestinais (DII): uma jornada ainda marcada por desafios invisíveis

É importante ficarmos atentos a oportunidades para garantir que as necessidades dos pacientes de DII sejam atendidas.

Marta Brenner Machado* Publicado em 21/11/2023, às 06h00

É importante manter consultas médicas em dia
É importante manter consultas médicas em dia

Para começar a dimensionar o tamanho da longa jornada que o paciente com doença inflamatória intestinal (DII) enfrenta no Brasil, sejam eles de caráter físico, emocional, psicológico ou financeiro, destaco dados do estudo “A Jornada do Paciente” liderado pela Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn (ABCD). Realizado com mais de 4.000 pacientes, ele mostrou que 12% deles demoraram mais de três anos entre o início dos sintomas até visitar um médico especialista (gastroenterologista ou proctologista) e 43% foram ao menos quatro vezes ao pronto-socorro antes de receber um diagnóstico final.

Aí começa o primeiro desafio da jornada do paciente de DII: identificar os sinais e saber que é a hora de procurar um médico que faça o correto diagnóstico e se necessário encaminhe em tempo adequado para o especialista. Diagnóstico precoce é fundamental para garantir a resolução dos sintomas e retomada da qualidade de vida, assim como o acesso ao tratamento adequado desde o momento em que a doença é diagnosticada.

As doenças inflamatórias intestinais, como a retocolite ulcerativa e a doença de Crohn, são doenças imuno mediadas de caráter crônico evolutivo e com uma série de manifestações extra intestinais impactando a vida de cerca de 10 milhões de pessoas em todo o mundo. No Brasil, são em média, 100 casos para cada 100 mil habitantes no sistema público brasileiro, segundo dados da Sociedade Brasileira de Coloproctologia, que também mostram que a incidência dessas doenças cresce quase 15% ao ano. Os números certamente são maiores. Milhares de pessoas podem ter DII e não saber, já que os sintomas iniciais podem ser confundidos com os de outros problemas de saúde. Os principais sintomas são diarreias constantes, dores abdominais, emagrecimento, sangramentos, febre, vômitos e fadiga – facilmente confundidos com outras condições de saúde e algumas intolerâncias alimentares

Pessoas jovens e em plena fase produtiva são as mais atingidas. Elas trabalham, estudam, saem com os amigos, são mães e pais, viajam, mas frequentemente estes planos de vida são interrompidos para lidarem com os sintomas, muitas vezes incapacitantes. Ou seja, o impacto não é só físico, mas psicológico, social e econômico também. Sobre esse tema, o estudo da ABCD mostra que cerca de 80% dos pacientes têm sua vida impactada pela DII mesmo no período de remissão, e mais da metade dos pacientes relata que a DII afetou seu emprego. Mais um desafio na jornada do paciente: como ter uma vida normal depois do diagnóstico de uma doença que não tem cura e superar o medo e a vergonha dos sintomas? Entender a condição buscando informação de qualidade e procurar um atendimento médico adequado são as únicas alternativas.

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A próxima etapa da jornada do paciente de DII é o tratamento, que deve ser individualizado dependendo da gravidade da doença, e deve ser feito por toda a vida. Por isso, é importante termos diferentes opções terapêuticas acessíveis ao paciente, que vão desde corticoides, aminossalicilatos, imunossupressores e os imunobiológicos de diferentes mecanismos de ação. Indicados em fases moderadas e graves das doenças, os medicamentos biológicos têm como objetivo justamente reduzir o processo inflamatório intestinal e permitir que o paciente chegue à remissão sustentada, ou seja, a inatividade da doença, diminuindo muitas vezes, os riscos de cirurgias e internações.

O acesso à diferentes opções terapêuticas é um dos principais desafios nessa jornada, considerando que cada paciente é um, manifesta a doença de um jeito e pode não apresentar uma boa resposta a medicação instituída ou mesmo perder resposta ao longo do tempo. Por isso é tão fundamental discutirmos a ampliação do acesso as opções de tratamento, tanto no SUS quanto no Rol da ANS.  Hoje, por exemplo, para um paciente de retocolite ulcerativa moderada a grave que tenha falhado no tratamento com a classe terapêutica chamada anti-TNF, os planos de saúde contemplam apenas uma alternativa de medicação. Desse modo, o médico fica sem opção de escolha caso o paciente não responda a medicação disponível.

Para os 75% da população assistida pelo SUS, o tratamento garantido para Doença de Crohn prevê apenas um tipo de classe de imunobiológico que, segundo os estudos, estima-se que de 20 a 50% dos pacientes falharão. Ou seja, quando falham com a terapia disponível, não há outra opção que contribua para que o impacto socioeconômico seja menor. Estamos falando de pessoas que deixam de trabalhar, de estudar, de conviver normalmente – isso se não estiverem recorrentemente em hospitais ou internações.

A solução existe e não depende só dos médicos especialistas, pacientes e seus familiares. A atenção das autoridades e a participação social mais ativa em saúde no Brasil ajudam a tornar os sistemas de saúde mais inclusivos, seja no sistema público ou privado. Estamos num período chave em que consultas públicas avaliam a incorporação de novas tecnologias no Rol da ANS e no SUS. Neste momento está aberta a consulta pública para avaliar a incorporação de um imunobiológico no Sistema Único de Saúde – SUS, para o tratamento da doença de Crohn. E todo cidadão pode contribuir. Para participar, é só acessar o site e procurar pela Consulta Pública número 47.

É importante ficarmos atentos a essas valiosas oportunidades para garantir que as necessidades dos pacientes de DII sejam atendidas.

*Dra. Marta Brenner Machado é gastroenterologista e presidente da Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn (ABCD)